quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

“Pegação com respeito”: mulheres se mobilizam por carnaval sem assédio




Renata Mendonça - @renata_mendonca Da BBC Brasil em São Paulo
06/02/2016

Uma rodinha de homens em volta de uma mulher, que só pode sair dali após beijar todos; uma "gravata" no pescoço e a moça só pode se desvencilhar depois de "pegar" o autor do golpe; um puxão de braço ou cabelo para "atrair" a foliã e roubar um beijo. Atitudes como essas poderiam ser vistas como assédio ou abuso no dia a dia - mas são comuns no Carnaval. Recentemente, porém, grupos de mulheres se uniram para combatê-las e promover uma festa com respeito ao "direito de escolha".
"Não é para acabar a pegação. É só para ter respeito", afirma Lia Marques, uma das criadoras da campanha “Apito Contra o Assédio”, que distribui apitos para mulheres nos blocos de São Luiz do Paraitinga, um dos maiores carnavais do Estado de São Paulo. "Sou super a favor da pegação, desde que as duas pessoas envolvidas queiram. [...]", diz Renata Rodrigues, cofundadora do bloco Mulheres Rodadas, do Rio.
O instituto “A Mulherada”, que surgiu em 2001 em Salvador, o bloco “Mulheres Rodadas”, fundado no Rio de Janeiro em 2015, e a campanha “Apito Contra o Assédio”, lançada no início deste ano por três jovens em São Luiz do Paraitinga, são exemplos de grupos criados para defender os direitos da mulher. Eles usam o carnaval para abordar questões como a violência doméstica e sexual, assédio e machismo. [...]

 

Coadjuvantes

Em Salvador, por muito tempo, mulheres participaram como "coadjuvantes" do Carnaval: dançavam e desfilavam nos blocos, mas tinham pouco espaço para tocar. "Começou há 15 anos com o objetivo de incluir as meninas na música de Salvador, nas bandas percussivas. Naquela época estourou a Timbalada, o Olodum, mas as meninas não podiam tocar. Os homens diziam que não era coisa de mulher", contou Mônica Kalile, presidente-fundadora do bloco “A Mulherada”, que [...] começou com 100 percussionistas do sexo feminino, que comandaram a bateria do bloco. O trabalho continuou com aulas de percussão, dança afro e inclusão digital ao longo do ano, mas elas descobriram uma grande dificuldade no meio do caminho: manter as mulheres frequentando o instituto após o Carnaval.
Isso acontecia porque muitas sofriam pressão - e até violência - dos maridos e das famílias, que diziam que tocar era coisa de "mulher macho". Foi aí que surgiu a campanha "Tocar pode, bater não", realizada até hoje para conscientizar o público sobre violência doméstica. "As meninas vinham e depois sumiam, e aí fomos investigar. Muitas das mulheres sofriam violência em casa dos maridos, ou eram lésbicas e sofriam preconceito da família", disse Mônica.
[...]

 

#Somostodasrodadas

No Rio, uma foto de um jovem segurando um cartaz "Não mereço mulher rodada" viralizou em dezembro de 2014 após ter sido publicada em um grupo no Facebook. O ato provocou revolta entre mulheres, que responderam com a hashtag #somostodasrodadas e fizeram nascer um bloco de Carnaval. O bloco agrupou 3 mil pessoas na rua, entre mulheres "rodadas", homens, crianças e senhoras. "A ideia era fazer uma brincadeira com o machismo, com o rótulo, que de maneiras mais ou menos graves limitam nosso cotidiano", disse Renata Rodrigues, que fundou o bloco junto com Debora Thome. [...]

 

Apito contra o assédio

Lia Marques tem 25 anos e diz que nasceu pulando carnaval. Natural de São Luiz do Paraitinga (SP), cidade de carnaval tradicional à base de marchinhas, ela frequenta os blocos de rua desde cedo, mas ultimamente tem se incomodado cada vez mais com as "chegadas agressivas" dos homens na rua. [...]
Com outras duas amigas, ela decidiu distribuir apitos para as mulheres nos blocos da cidade, para que façam barulho quando se incomodarem com eventuais abordagens abusivas de homens. As jovens fizeram reuniões com a Polícia Militar, que ajudará a fiscalizar os casos durante os blocos. "Quando os caras ouvirem isso (o apito), eles já vão saber que agora vai ser diferente", diz Lia.
"Acho que é importante a informação. Porque o assédio é uma cultura, eles acham que é normal, estão acostumados com isso. Mas ações como essa vão ajudar as pessoas a entender como isso é falta de respeito."

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/02/160126_carnaval_mulheres_assedio_rm