quarta-feira, 18 de abril de 2012

Um dia daqueles


Para Francisco, vida de criança não era nada fácil. Mas será que as pessoas entendiam isso?
Certa vez, só por estar bocejando na escola, uma colega de classe o chamou de dorminhoco e preguiçoso. Mas, por acaso, ela perguntara o que ele andara fazendo em casa? Não. Ninguém perguntou.
Como o pai estava longe, trabalhando em Macapá, ele, Francisco, era o homem da família (tinha também o seu irmãozinho de três anos, mas como Francisco costumava dizer: "isso lá é gente?"). E foi assim, com a convicção de que era um grande homem, que Francisco passou a manhã carregando tijolos, ajudando a mãe, para a reforma que fariam na casa, esperando o pai para o natal.
Morava na zona rural, em um pequeno povoado chamado Centro do Meio, na cidade de Pio XII, no Maranhão. Naquele dia, o carro que transportava os alunos da zona rural, onde moravam, para a sede do município, onde estudavam, não apareceu. Então, a maioria ficou em casa; outros, tentaram alguma carona ou foram de bicicleta.
Francisco resolveu ir de bicicleta. Podia antes ter olhado as nuvens, como fazia sua vó, mas não olhou. Pegou chuva, ficou muito ensopado, aproximou-se da escola, mas parou no meio do caminho: não tinha como estudar daquele jeito, um verdadeiro pinto molhado (e acabrunhado).
Pretendia voltar imediatamente para casa, mas encontrou alguns amigos que o convidaram para jogar bola na rua, debaixo daquela chuva. Foi. Queria jogar no ataque, mas o escalaram no gol.
Como não era o dono da bola e como estava em território estranho (não conhecia direito aqueles lados da cidade), tudo bem, foi para o gol, mas resmugando.
Tentou passar confiança para si próprio e para os outros e declarou: "aqui não passa nem mosquito assado" (era uma frase que já tinha ouvido em algum lugar).
Porém, tinha aquele menino, um pingo de gente de uns seis anos, que não deixava quieta a bicicleta de Francisco.
"Ei! Deixa essa bicicleta aí", gritou Francisco, mas o garoto parecia nem ouvir. "O diacho desse menino! Se acontece alguma coisa com a bicicleta, eu tô lascado", eram esses os pensamentos de Francisco quando levou um gol por entre as pernas e sentiu uma multidão de risadas ricocheteando sua cara. Mangavam dele pra valer!
Deixou o jogo e foi pra casa. Ao chegar lá, sua mãe já sabia que ele não tinha aparecido na escola. Francisco contou a história da chuva, pulou a parte do futebol, não falou mais nada, pois sua mãe não deixava, reclamando-se da vida, do filho que tinha e dos dias de hoje, em que os pais não podem mais bater nos filhos, onde já se viu isso?
Francisco ouviu calado. Passados alguns minutos, a mãe ordenou que ele fosse tomar banho imediatamente - e ele foi sem dar um pio, dizer o quê?
Mas, na hora da janta, a mãe já tinha esquecido tudo e o chamava para comer. Francisco levou o prato pra frente da televisão. Bem na hora do noticiário e da previsão do tempo. Para o dia seguinte não estavam previstas chuvas para o Maranhão. Francisco gritou para a mãe: "Mãe, o homem tá dizendo que amanhã não vai chover aqui não". A mãe não respondeu.
"Mas", pensou consigo Francisco, "não custa nada olhar as nuvens, antes de sair de casa" e levou a colher à boca lembrando da sabedoria de sua vó.


Pio XII, Maranhão, 18/04/2012.

Do professor Gilcênio para minha galerinha do Cema.